– por Raíssa Amaral e Lucas Meireles
Não é difícil ouvir que o funk, um dos ritmos mais populares do Brasil, não seja considerado um movimento cultural. O gênero musical, que carrega uma legião de fãs de diferentes lugares do país, ainda é fortemente associado a práticas criminosas e à violência. Por isso, vem sendo marginalizado no senso comum há décadas.
Foi pautada na discussão sobre a criminalização do funk carioca que a professora de História Juliana Bragança (28), graduada pela Universidade Veiga de Almeida (UVA) e aluna do programa de pós graduação em História -UFRRJ(área de concentração em Relações de Poder e Cultura), decidiu escrever em sua dissertação de Mestrado em História, sob o título “Porque o funk está preso na gaiola” (?): A criminalização do funk carioca nas páginas do Jornal do Brasil (1990-1999), defendida em junho de 2017.
Juliana começou sua pesquisa em 2015 e, inicialmente, iria fazer uma análise comparada entre o funk carioca e a cambia villera, ritmo argentino também marginalizado. No entanto, por demandar um tempo de pesquisa muito maior que dois anos, resolveu mudar a proposta da pesquisa. “O funk carioca por si só já é um objeto de pesquisa imenso, gigantesco. São vários vieses que a gente pode abordar o funk enquanto objeto de pesquisa. E a cumbia villera também. E aí, ao invés de um objeto de pesquisa polissêmico e riquíssimo, eu teria dois”, explica.
A dissertação coloca em debate o porquê de o funk carioca ser marginalizado e sua luta para ser considerado um movimento cultural desde 1990. Ao longo de sua pesquisa, a autora cita as canções da época como forma de análise e o momento histórico por ela considerado como o marco zero da criminalização: os arrastões nas praias da Zona Sul em 1992.
Nascida em São Gonçalo, região metropolitana do Rio de Janeiro, Juliana sempre teve contato com o funk. Sua infância e adolescência foram marcadas pelas batidas e melodias agitadas, além de ter sido frequentadora dos bailes funks à época. Foi através do gosto pelo funk que, ainda na graduação, se interessou pelo estudo do ritmo.
Como causa do estigma criado pela sociedade quando o assunto é funk, Juliana aponta o preconceito racial e social. Segundo ela, o estilo musical só é marginalizado por ter surgido nas favelas: “O funk foi e é criminalizado não pela música, nem pelo ritmo, ou, entre muitas aspas,’pobreza musical’, como dizem, em relação à simplicidade musical do funk. Não é nada disso. É por conta do público que consome e do grupo que produz o funk. O funk é criminalizado porque é música de preto, pobre e favelado”, conta.
Não é só o funk que sofre para ser reconhecido como manifestação cultural. O samba, gênero musical conhecido hoje por ser um dos mais representativos da cultura popular brasileira, também passou pelo mesmo processo de criminalização. Durante a década de 1920, os sambistas foram fortemente perseguidos e não podiam se manifestar publicamente, com risco de serem detidos pelas autoridades. “O funk faz parte do mesmo processo de criminalização que o samba sofreu: o racismo estrutural da nossa sociedade que calcou desde o princípio da constituição da nossa sociedade brasileira. O racismo fez com que o samba fosse criminalizado e fez com o funk também fosse”, elucida Juliana.
Um dos principais objetivos da dissertação era evidenciar a marginalização do funk através do Jornal do Brasil nos anos 90. Como uma das fontes de pesquisa, foi usada a Carta dos Leitores, coluna do jornal na época que permitia que os leitores enviassem suas perguntas e comentários. A experiência confirmou que a luta contra a criminalização do funk era urgente. Juliana conta que o número de cartas negativas em relação ao gênero musical era muito maior que as cartas positivas. Além disso, a pesquisa deixou clara a forma estereotipada que o jornal tratava os adeptos ao funk e o gênero propriamente dito que, segundo a professora, era explicado pelo público de classe média do jornal.
A dissertação defendida por Juliana estuda a criminalização do funk na década de 90. Mas o preconceito contra o ritmo musical está presente até hoje e sofre para se consolidar. No ano passado, foi criado no site do Senado Federal, pelo webdesigner Marcelo Alonso, uma sugestão de elaboração de lei que pedia a criminalização do funk. Para a sugestão ser discutida efetivamente no Senado, é preciso que tenham 20 mil assinaturas. Ao alcançar o número de 21.985 votos, a sugestão foi levada à relatoria, que foi negada em novembro de 2017 pelo senador Romário Faria (PSB-RJ).